Texto da nota |
Neste extraordinário romance, apresentado como as confissões de Vladimir Maslennikov, morto em 1919 de um excesso de cocaína, há literatura, magnífica literatura. É, antes de tudo, a história de um coração seco, de um mau filho dominado pela volúpia de fazer o mal, que se diverte a humilhar a mãe. pobre e decadente, a tiranizar os condiscípulos no liceu, a dar o presente envenenado da sua jovem sífilis às adolescentes que engata nas ruas de Moscovo. E quem, de facto, nos descreveu alguma vez a Moscovo de 1920 como Aguéev, com essas mulheres que, longe de serem as opulentas pioneiras que o socialismo viria a celebrar, se deixam ainda seduzir ao longo das avenidas onde os vagabundos se apagam tranquilamente num frasco de éter? O olhar cruel de Aguéev agarra a miséria e a beleza com o mesmo impulso febril, não se queixa, não pede misericórdia para a sua alma atormentada. Encontra Sónia, com quem partilha, num último momento de esperança, uma história breve rematada por uma longa e sublime carta de amor onde a jovem mulher se despede dele. Vladimir está maduro para a dama branca. A cocaína era conhecida na época de Aguéev, mas o seu uso estava longe de ser banal como acontece actualmente nos Estados Unidos. A surpresa é tanto mais forte quanto dificilmente se imaginaria a Rússia sovietizada vítima de um flagelo tão distinto. Aqui reside um dos contrastes mais saborosos, tal como o da escrita ágil e venenosa, extremamente aristocrática, para descrever um mundo sem luxo onde se sai de um trenó remeloso para um sórdido quarto de aluguer. Estilo soberbo de um escritor único, um meteoro sem par, como alguém lhe chamou: Uma pedra preciosa nascida de uma desgraça íntima, da vida estragada de um desconhecido, parente próximo de Baudelaire e de Thomas de Quincey |