Texto da nota |
O romance é dividido por diferentes fases. Mary, a personagem central, acorda num «quarto branco» de um hospital, com amnésia total. Sem identidade e sem familiares, a jovem inicia uma demanda em busca do seu eu. Sem réstia de memória do seu passado, outro «entrave» é detectado pelos médicos: Mary não possui controle sobre as acções corporais, nem conhece o seu próprio corpo. Desconhece a serventia da boca, por exemplo. Assim, diariamente ela se reinventa, se descobrindo. Após alta hospitalar ela cai nas mãos de um gang de vagabundos, e no medo descobre o seu desejo patológico por homens.<br/>A sua sobrevivência e retorno à sociedade é basicamente uma história sentimental, de autodescoberta, onde o Bem e o Mal se confundem. Mary vê o mundo de uma perspectiva alienígena, habitando um corpo que talvez não é o seu. Estes são os mistérios metafísicos, que vão acompanhando todo o livro.<br/>Uma das analogias na forma como a história é apresentada ao leitor, tem a ver com a ciclicidade temporal inversa. O prólogo e epílogo são a chave para entender o livro.<br/>«Esta é uma confissão, uma curta confissão. Eu não queria fazer-lhe o que fiz. Teria realmente preferido outra solução. Mas aqui vai. (…)» (p. 11) «Isto é uma promessa. Eu não lhe vou fazer nada, a não ser que ela queira. (…) Pobre criança! (…) A qualquer momento, vou para a rua. Vejo-a a chegar ao fim do passeio e a hesitar à beira da estrada, olhando para a esquerda e para a direita, pensando para onde ir.» (p. 305)<br/>A última parte do livro não é um flashback, mas uma continuação da sequência narrativa.<br/>Escrito num estilo kafkiano Os Outros é um romance de mistério existencial, com alusões ao mundo fantástico, surreal.<br/>Amis confunde o narrador (omnispresente), personagens e leitor, e faz um retrato sui generis da condição humana. Será que somos quem pensamos?<br/><br/>«Existe vida depois da morte? Bem, será que existe? Se existe, deve ser um inferno (se existe, deve ser morta).<br/>Se existe, deve ser muito parecida com a vida, porque só na vida existe variedade. Tem que haver muitas versões da morte, para dar resposta a todas as versões da vida.<br/>Tem que haver um inferno para cada um de nós, um inferno para mim, um inferno para si. Não acha? E teremos que o suportar sozinhos.» (p. 173) -- https://silenciosquefalam.blogspot.com/2013/03/os-outros-de-martin-amis.html<br/> |